A usucapião é uma das forma de aquisição de propriedade e de outros direitos reais, como usufruto, uso, habitação, enfiteuse, através da posse prolongada da coisa. Devendo-se, para tanto, observar alguns requisitos legalmente previstos. Sua atuação pode ser via extrajudicial, via cartório, ou judicial, através da ação de natureza meramente declaratória (CPC 941).
É uma forma originária de aquisição de propriedade, uma vez que a relação jurídica formada em favor de quem entra com a usucapião (usucapiente), não deriva de uma relação anterior, como seria na forma derivada, não se conquista via alienação, de forma voluntária, mas sim por meio da posse exercida.
Sendo assim, cria-se um direito novo, independente de ato negocial, contanto que o transmitente não é o antecessor, mas sim a autoridade judiciária, que reconhece o direito e o declara.
Claramente, é um instituto que se fundamenta na paz social, na utilidade social, pois visa solucionar conflitos fundiários e aproveitar da negligencia do proprietário original para conceder àquele que durante anos viveu, produziu, pagou contas, manteve o bem imóvel. Ou seja, aquele que seria prejudicado, auxilia com a sua inércia para consumar o prejuízo.
Para que haja a sua efetividade e aplicabilidade é necessário um conjunto de requisitos, dentre eles pessoais, reais e formais. Os pessoais são as exigências ao possuidor que pretende obter o bem e ao proprietário que o perde. De exemplo, temos a capacidade e a qualidade para adquirir o domínio.
Sendo que, a pessoa não poderá ter a usucapião, se for entre cônjuges na constância do casamento, entre ascendentes e descendentes durante o poder familiar, entre tutelados e curatelados, durante a curatela, se pende uma condição suspensiva, pendendo ação de evicção, contra absolutamente incapazes, entre diversas alegações constantes no CC 1244 c/c 197 a 202.
Estas funcionam como as causas que interrompem e suspendem a prescrição, uma vez que a usucapião é considerada como prescrição aquisitiva, pois é quando o tempo interfere possibilitando o surgimento do direito, diferentemente da extintiva que, com o tempo, ataca a pretensão.
Continuando com os requisitos, os reais são aqueles referentes aos bens e aos direitos reais que recaem sobre bens prescritíveis (propriedade, enfiteuse, usufruto, uso, habitação) suscetíveis da usucapião, pois existem alguns que não poderão ser alvo dessa forma de aquisição.
Exemplos são as coisas que estão fora do comércio, pela sua própria natureza (o ar, o sol), os bens públicos que estão fora do comércio e são inalienáveis (súmula 340, STF), os bens que se encontram no comércio, mas são dele excluídos, por questões subjetivas, necessitando a inversão do título possessório.
Enquanto os formais são os elementos necessários e comuns do instituto da usucapião, como o lapso de tempo, a posse, o registre de aquisição do bem obtido de forma extrajudicial pelo oficial do registro de imóveis ou via sentença judicial, além dos especiais, como justo título e a boa-fé.
Vale dizer que a posse em questão deve ser com vontade de domínio, intenção de domínio (animus domini – atua como se dono fosse, mantém, reforma, cuida, planta, protege), mansa e pacífica (sem contestação, oposição de quem teria interesse), contínua (sem intervalos) e de forma pública, durante o período de tempo estipulado em lei.
O justo título é o documento formalizado, idôneo capaz de possibilitar ou transferir o domínio ao possuidor, como a escritura de compra e venda, doação, formal de partilha. Já a boa-fé, é certeza do possuidor de que não está ofendendo um direito alheio, ou seja, não enxerga um vício, crê que o bem é mesmo seu, de que possui o direito para tal.
Resumindo, ela possui características como coisa hábil, posse mansa e pacífica, ininterrupta/ contínua, sem oposição, tempo que varia de uma espécie a outra da usucapião e, em alguns casos, justo título, além da boa – fé.
Como dito anteriormente, a usucapião pode ser via extrajudicial, via administrativa, que é opcional e seguirá os princípios do art. 37, da Constituição Federal, de legalidade, imparcialidade, moralidade, publicidade e eficiência, com o requerimento pelo interessado, representado por advogado ou defensor público, realizado no cartório de registro imobiliário da comarca em o imóvel se encontra, com a devida documentação, como ata notarial (atesta o tempo da posse) lavrada pelo tabelião, planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, certidões negativas dos distribuidores do local da situação do imóvel e o justo título ou qualquer outro documento que demonstre os requisitos formais supracitados (L. 6015/73 – lei de registro público, art. 216-A §§, 225).
Ou pela via judicial, que seguirá o procedimento comum e não o especial como o vetusto CPC previa. A sentença no caso de registro não tem valor constitutivo e sim meramente probante, ou seja, ela torna regular a situação do imóvel e possibilita o registro.
E ela possui diferentes espécies, dentre elas, a primeira é a extraordinária (CC 1238), que possui prazo de 15 anos, de posse mansa e pacífica, exercida de forma contínua, não necessitando de justo título e boa-fé. Vale dizer que o parágrafo único diz que o lapso temporal será de dez anos, se houver moradia habitual do possuidor, ou ele tenha realizado obras ou produzido. Sendo que será possível a soma da posse e não será limitado aquele que for titular de outro imóvel.
A ordinária, prevista no CC 1242, exige prazo menor que a anterior, de dez anos, de posse pacífica e mansa, exercida continuamente, porém com a presença de justo título e boa-fé. Assim como a anterior, o parágrafo único prevê que será prazo de cinco anos, caso haja a aquisição do imóvel de forma onerosa com base no registro constante do respectivo cartório, posteriormente cancelado e desde que o possuidor tenha se estabelecido, ou seja, tenha no local a sua moradia ou tenha feito investimento de cunho social e econômico.
Sendo, também, admitida a soma da posse (por exemplo, a posse do ascendente com a do descendente) e a possibilidade do possuidor ser titular de outro imóvel. Lembrando que o art. 2029, das disposições finais e transitórias do CC, exige que ao parágrafo único do 1238 e do 1242 o acréscimo de dois anos pelo período de dois anos desde a vigência do CC/02 (10/01/2002).
A espécie especial rural, ou pro labore, constitucionalmente prevista, no artigo 191, além do CC 1239, é aquela que se atrela ao interesse constitucional de estabelecer terras a todos, de buscar fixar as pessoas no campo, de dar moradia as pessoas.
Exigindo como requisito formal, um lapso de tempo de cinco anos ininterruptos, sem oposição, não podendo o possuidor ser titular de outro imóvel, tanto na seara rural quanto na urbana. A área não poderá ser superior a 50 hectares e deverá ter como fim a moradia habitual e o cultivo, ou seja, o possuidor deverá torná-la produtiva.
Além disso, pessoas jurídicas estão proibidas de realizá-la e a jurisprudência não aceita a soma da posse. Não precisa ser brasileiro nato, poderá ser naturalizado ou estrangeiro. Sendo que para este último, a lei 5709/71, em seus artigos 3º e 7º (não pode ser acima de 50 módulos de exploração indefinida em área continua ou não e deverá ter autorização de secretária-geral do conselho de segurança nacional, ser for área considerada indispensável para a segurança nacional) regulará como deverá ser procedida. Vale lembrar que terra pública não poderá ser alvo da usucapião.
Outra espécie prevista na Constituição Federal é a usucapião especial urbana, prevista no artigo 183, no CC1240 e no artigo 9º do Estatuto da Cidade (L.10257/01). Assim como a anterior, visa fornecer moradia para as pessoas, no âmbito urbano e atender políticas públicas de regularização urbana.
Devendo haver a posse pelo prazo de cinco anos, sem oposição, de imóvel não superior a 250 metros, levando em consideração a área construída. E deverá ser moradia para o possuidor ou para a sua família. Vale dizer que este é um direito que não se concederá mais de uma vez, como prevê o § 2º, do artigo 1240.
A usucapião chamada de coletiva, que está prevista no artigo 10 do Estatuto da Cidade, busca regularizar áreas urbanas em que há população de baixa renda, não sendo possível, devido a aglomeração e a falta de espaço, identificar os terrenos de forma individual, somente via coletiva. É o caso de núcleos urbanos informais, clandestinos, irregulares, ou aqueles onde não se consegue titular os ocupantes, como as comunidades, favelas.
Dessa forma, busca-se atender à política pública habitacional, de concretizar o direito constitucional a moradia. Para tanto, a posse deve ser por cinco anos, sem oposição, cuja área dividida seja superior ou não a 250 m². Além disso, não poderão; os possuidores, ser titulares de outro imóvel e é possível haver o aproveitamento de posse anterior.
E a última espécie é a familiar, prevista no CC 1240-A, que visa solucionar a situação dos cônjuges, dos conviventes que sejam titulares de imóvel que repartiam com ex-cônjuges, ou ex-conviventes que abandonaram o lar por vontade própria.
O prazo para ela é de dois anos, apenas, não podendo o possuidor ser titular de outro imóvel urbano ou rural e devendo utilizar do imóvel como sua moradia ou de sua família. Não obstante, a área do bem deve ser de até 250 m². Sendo direito, que como na especial urbana, não será concedido à mesma pessoa, mais de uma vez (§1º, CC 1240-A).
Sendo assim, não poderá pleitear partilha, em caso de divórcio, de separação judicial, de dissolução de união estável, nem alienar, nem fixar aluguel. Logo, aquele que permaneceu tem o direito à propriedade total do bem (CC 1275), pelo seu bom uso, pela sua conservação, pelo pagamento dos tributos.
Bibliografia:
DINIZ, Maria Helena. Da propriedade. In:_______. Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 4: Direito das coisas, 34ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 127- 427.
BRASIL. Código Civil (2002) 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
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